‘Há necessidade de nova legislação que garanta a essa figura jurídica a aplicação das mesmas regras protetivas que estão na Lei Geral das MPE, especialmente aquelas relativas ao MEI’.
A lei complementar que concretizou a primeira etapa da regulamentação da Reforma Tributária (214/2025), ao tratar dos que não são contribuintes do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços), denominou como nanoempreendedor a pessoa física com faturamento inferior à metade do limite estabelecido para o MEI (menos de R$ 40,5 mil/ano), que não tenha aderido ao regime do MEI e que exerça atividades a serem estabelecidas pelo Comitê Gestor do Simples Nacional, entre outros requisitos.
Nesse mesmo conceito está incluído o prestador de transporte privado individual de passageiros ou entrega de bens intermediado por plataformas digitais, também conhecido por motorista de aplicativo, que poderá receber até R$ 13.500,00 mensais ou R$ 162.000,00 por ano, sendo que somente 25% disso será considerado como receita bruta para efeito de reconhecimento da qualidade de não contribuinte, ou de tributação, caso seja essa a opção do interessado ou a imposição da plataforma para tê-lo como parceiro.
Antes de ser contemplado na lei complementar como uma nova figura apenas para efeitos tributários, o termo surgiu em audiência pública na Câmara dos Deputados para qualificar os 3,5 milhões de pequenos empreendedores independentes que vendem produtos ou serviços sem a necessidade de estabelecimento fixo, os chamados porta a porta, tendo sido pleiteado por entidade setorial que o conjunto IBS/CBS fosse facultativo para esses.
Assim, a inicial preocupação com um segmento bem específico de receita (pessoa física com atividade complementar de venda direta e receita anual reduzida), visando dispensá-lo da inscrição no CNPJ via MEI e valor fixo mensal para pagamento, acabou resultando na lei complementar ao final editada em um modelo mais abrangente e complexo, ainda que possamos considerá-lo incompleto. Somados apenas esses dois grupos, porta e porta e motoristas de aplicativos, são 5 milhões de nanoempreendedores.
É muito positivo que a legislação dos pequenos negócios tenha dado mais um passo na linha de reconhecer que não se trata de um grupo homogêneo, sendo incorreto o uso de critérios pétreos para sua definição e a promoção de mesmo tratamento para empreendimentos e empreendedores que são essencialmente desiguais, em múltiplos aspectos.
Julgando que a direção está correta, é preciso apontar que há necessidade de novos ajustes. A criação dessa figura apenas e tão somente para efeitos no âmbito do IBS/CBS é insuficiente. Esse muito pequeno empreendedor, nano, como expressa seu nome, também deve ter tratamento diferenciado e favorecido em todos os demais aspectos, notadamente os demais tributários e previdenciários, que podem impactar a sua sobrevivência.
De fato, não parece resolvida a questão do eventual surgimento de taxas e outros encargos a serem cobrados nos demais níveis federativos, assim como, ao não ser optante do regime do MEI, não é aplicável ao nano a extensa rede de disposições que impedem ou modulam exigências estatais que podem inviabilizar a sua existência ou formalidade.
Sobre isso, por exemplo, deve ser ressaltado que a lei complementar ao tratar das obrigações acessórias do nanoempreendedor apenas prevê a simplificação como mera faculdade do regulamento a ser editado, o que se apresenta como inconsistente com as disposições gerais aplicáveis aos demais pequenos negócios.
No que tange à contribuição previdenciária igualmente seria conveniente tratamento unificado, facilitado e favorecido, inclusive no sentido de incentivar o recolhimento.
Enfim, há necessidade de nova legislação que garanta ao nanoempreendedor a aplicação das mesmas regras protetivas que estão na Lei Geral das MPE, especialmente aquelas relativas ao MEI, ainda que dispensado do rito de formalização com obtenção do CNPJ e outras eventuais adaptações. Sobre isso deve ser recordado, aliás, que a proposta do MEI originalmente apresentada por Guilherme Afif Domingos, então na presidência da Associação Comercial de São Paulo, tratava do “empreendedor urbano pessoa física”, que não implicava em inscrição no cadastro de pessoas jurídicas.
Além do quanto foi apontado, se isso não for efetuado pode ficar a impressão, caso se mantenha limitada a aplicação ao IBS/CBS, de que a criação dessa figura está ligada apenas ao eventual interesse de geração de créditos tributários para os seus parceiros, contratantes ou tomadores de serviços, o que certamente não foi o objetivo do Congresso Nacional. É que o argumento da necessidade de isenção e dispensa de inscrição no CNPJ pela ausência de estrutura para implementar gestão tributária não é coerente com a possibilidade de eventual exigência de opção pela tributação do IBS/CBS estabelecida por aqueles.
A construção do conjunto de regras que tratam do chamado tratamento diferenciado e favorecido para as micro e pequenas empresas é um trabalho desenvolvido há muitos anos, em um sentido claramente evolutivo voltado a proteger os pequenos negócios de um ambiente inóspito à sua formalização, sobrevivência e desenvolvimento, não se podendo perder essa nova oportunidade de avanço, dada a importância desse segmento para uma sociedade cada vez mais dependente de alternativas legítimas de criação de ocupação e renda.
José Constantino de Bastos Júnior – Assessor da Superintendência do Sebrae-SP, ex-Secretário Nacional de Racionalização e ex-Presidente da Jucesp
Ricardo Monello, Vice-Presidente da Associação Comercial e Industrial de Barueri e Diretor de Educação e Cultura da FENACON
Fonte: Diário do Comércio